O CONCEITO DE FAMÍLIA NA HISTORIOGRAFIA SOBRE @S AFRO-BRASILEIR@S
- lavinicastro
- 16 de mai. de 2021
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O conceito de família nuclear é um conceito embasado na ótica etnocêntrica europeia que durante o século XIX era o único modelo legítimo de família. Era impensável a formação de famílias e lares negros, ou era pensado de forma depreciativa. O pensamento moderno ocidental burguês cristão interpretava as demais formas de constituição familiar como primitivas ou limitadas.
O interesse pela investigação sobre os diferentes perfis de família escrava surgiu por volta da década de 1970 pelo interesse ou curiosidade de ampliar as discussões sobre o conceito de família, na tentativa de superar a única explicação que se aceitava que era o conceito de família patriarcal muito bem descrito por Gilberto Freyre na década de 30. Com isso @s pesquisador@s contribuíram com a reflexão sobre o modelo de família hegemônico em que as demais configurações gravitavam ao redor.
Um dos pesquisadores brasileiros que renovou a historiografia a respeito do conceito de família, foi Robert Slenes. Embora Slenes tenha feito importante análise a respeito da questão familiar no período escravocrata, sua tese apresenta certo grau de generalização ao considerar a formação da família escrava além de interpretar as identidades negras de forma romântica e fixas. (GOMES, 2013; 2015).
A importância de Slenes repousa na análise de reconstruir a capacidade d@s negr@s escravos em produzirem famílias de vários formatos em que havia entre elas apoio e acolhimento. Ou seja, seu estudo inaugura que a constituição familiar não era incomum e que a família para a pessoa escravizada havia se tornado uma instituição muito viável no sentido de sobrevivência dentro do sistema escravista.
Portanto ao ensinar sobre o processo de escravidão, o professor antirracista precisa questionar o modelo de família patriarcal e evidenciar os diferentes modelos de organização familiar como legítimos, existentes que auxiliaram muitos indivíduos a superar os problemas da sociedade. Portanto, promova a superação que ainda se faz presente no senso comum sobre instabilidade (se havia alguma instabilidade era inerente ao sistema e não a questões morais), falta de autonomia, ilegitimidade e promiscuidade que nosso olhar colonizador ainda enxerga nas diferentes famílias não patriarcais – supere inclusive a ideia de patriarcalismo.
Uma boa maneira de superar esse entrave para a realidade da diversidade cultural familiar é contextualizar historicamente. Conte em sala de aula a existência nada incomum da organização familiar entre @s grupos que eram escravizad@s. Conte que a instituição familiar era importante, alguns pesquisadores diriam ser importante inclusive para os proprietários, como assim? Como se a família escrava funcionasse como um elemente de adaptação a escravidão. Contudo, o fato de haver famílias escravas não impediu a resistência ao sistema, ok? Ainda mais se um dos elementos da família fosse agredido ou vendido ou quando foi implantada a lei do ventre livre e ocorria a separação da mãe de seu filho/sua filha. Não devemos generalizar devemos contar as diferentes formar de interagir dentro do sistema escravista.
Outro ponto importante de se considerar a respeito da família d@s negr@s escravizad@s era a predominância da matrifocalidade (foco central da família era a mulher). Esse caráter durante muito tempo foi justificativa para que a família das pessoas escravizadas não existisse porque ela não seguida o padrão nuclear, monogâmico e legitimado pela Igreja católica (REIS, 2018).
As famílias se organizavam em relações de compadrio, nas Irmandades Religiosas, nas Famílias de Santo, entre os mesmos grupos étnicos ou não, ou num grande exemplo da experiência do MALUNGO, que era um vínculo estabelecido entre africanos durante a travessia do tráfico. Ou seja, as necessidades de sobrevivência d@s escravizad@s diante do sistema opressor racista criam novas culturas do existir e resistir em diferentes organizações, ou seja, resistimos e criamos diante as possibilidades, mas nunca desistimos de existir, de sermos sujeitos e ainda contribuímos para a transformação cultural mais diversa.
De acordo com GOMES (2019)
“Para Slenes, a família escrava era uma instituição cultural afro-brasileira que possibilitou a formação de coerências, de um sentimento de pertencimento a uma comunidade negra que, mesmo ameaçada, compartilhava experiências, memórias e valores criando boas oportunidades de enfrentamento cotidiano. A família escrava era um projeto de vida, um campo de batalha, um dos principais palcos onde se travavam lutas entre escravos e senhores na busca para definir a própria estrutura e destino na escravidão. Ela foi uma das mais importantes instituições culturais que contribuíram para a formação de uma identidade nas senzalas “conscientemente” antagônica a dos senhores e compartilhada por um grande número de cativos. “A ‘família’ é importante para a transmissão e reinterpretação da cultura e da experiência entre as gerações” (SLENES, 1999, p. 114). Logo, para o autor, a instituição familiar funcionou para os escravizados como um espaço de formação de uniões, solidariedades e memória histórica próprias.
Eu sou Lavini Castro Educadora Antirracista
Mestre em Relações Étnico Raciais
REFERÊNCIAS
GOMES, Gustavo Manoel da Silva. Saberes e narrativas docentes: memórias e experiências do ensino de história e cultura afro-brasileira no sertão alagoano. Maceió-AL. 2020. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas.
Reis, Isabel Cristina Ferreira dos. Família Escrava. In: Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos / Lilia Moritiz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (Orgs.) – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

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