Professores antirracistas, estão conscientes do barulho que podem fazer?
- lavinicastro
- 25 de fev. de 2021
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Professores Antirracistas estão conscientes do barulho que podem fazer?
Falar em Educação é falar em projetos educacionais com teor político para a sociedade. Resta saber que intencionalidade há por trás dos projetos desenvolvidos.
Nos professores precisamos estar atentos a essa questão.
Abrindo um breve panorama da história de como a educação tem se desenvolvido enquanto projeto social precisamos identificar o campo educacional como espaço de atuação política, econômica e cultural desde a modernidade, sendo a educação uma ferramenta na construção de tipos, perfis identitários a serviço dos grupos dominantes
A lógica da educação moderna passava pela via do controle e disciplina dos corpos por exemplo.
Com o advento do iluminismo no século XVIII ocorre a promoção da racionalidade e a promessa de emancipar a todos por meio da razão iluminada daquele momento histórico
Ou seja a maneira de raciocinar e portanto de ensinar e aprender passa a ser instrumento a serviço do Estado
Ou seja, o Estado tinha dominação do saber, mas eu sempre me pergunto será? Porque o consumo no íntimo daquele que recebe uma instrução, ordem, cultura, ou normatização é sempre uma escolha própria do sujeito, mas precisa-se ter muita consciência das injustiças para criar contra discursos hegemônicos que massificam comportamentos, nesse sentido, precisamos entender a relação entre a lógica ordinária do coleguinha Certau e a maneira como uma ideologia, que se faz dominante, tentam agir para o enquadramento dos corpos impondo hegemonias, concepções de mundo formadas a partir da interpretação de ideias e valores que buscam direcionar ação dos indivíduos na sociedade.
De acordo com CARVALHOSA (2020):
Nesse sentido, concordamos com Hall ao identificar ideologia como pensamento prático, em que todos os grupos são capazes de organizar concepções de mundo como ideias de poder contra-hegemônico. Explicação semelhante ao que Certeau (1998) disse sobre ser a presença e circulação de uma representação não significar imposição direta, pois na relação de tentativa de enquadramento esconde a manipulação do que é consumido. A cultura que se faz dominante força um consumo que muitas vezes pode não ser consumido, o fato é que os grupos dominados interagem nessa cultura dominante para sobreviver, mas se apropriam dela e a ressignificam.
O que queremos dizer com isso é que há controle cultural, mas não há como vigiar o que os consumidores fazem com os produtos. Carvalhosa (2020) acrescenta: A maneira de empregar o que se faz com o que se consome como produção cultural é próprio de cada sujeito ou mesmo uma coletividade de sujeitos que se assemelham por espaço geográfico, tradição ou história de vida. Assim fica claro o equívoco do sucesso do processo de aculturação dos colonizadores espanhóis, sobre os grupos indígenas (CERTEAU, 1998), em que se pensou estar “civilizando” corpos quando, na verdade, o que ocorria era a troca, mesmo que em menores proporções. Não podemos negar os recursos facilitadores dos grupos hegemônicos, mas não podemos ser ingênuos e acreditar que não há produção cultural vinda dos “de baixo”.
Não há total controle, mas troca mesmo que em forma reduzida para um dos lados
Pensando em perspectiva curricular, em que temos o curriculo prescrito, oficial a serviço da hegemonia dominante, podemos propor o mesmo tipo de análise, não há controle total do que de fato se ensina, nesse sentido precisamos entender o currículo como processo. O que isso significa? Significa que a esfera curricular é composta por muitas dimensões (SACRISTÃ, 2008), a dimensão prescrita, a dimensão apresentada ao professor e a dimensão modelada pelo professor; isso significa dizer que o currículo é construído no processo de nossa prática pedagógica, nos professores e comunidade escolar promovemos intervenções no currículo e portanto na maneira de aprender, nós professores e comunidade escolar, no aqui e agora da sala de aula, levantamos questionamentos que mobilizam a aula, mas estamos precisando de maior consciência política para nos posicionarmos diante algumas questões (pré-)“históricas” que já deveriam ter sido colocadas em pauta no ambiente escolar há tempos.
Nos professores antirracistas precisamos prestar muita atenção, pois nós podemos promover um ensino mais atrelado as demandas dos grupos minoritários socialmente. Pois nós podemos levantar tal debate em construção. Mas como? Diria algum professor que ainda não percebeu que é antirracista pode perguntar. Pois enquanto sujeitos históricos selecionamos de acordo com nosso pertencimento cultural, grupo social e tomamos determinados posicionamentos políticos, mas precisamos saber em prol de que e quem? Essa parte, me lembra o intelectual orgânico de Gramsci (2001)
A questão está em não reconhecer valor positivo a cultura afro-brasileira e portanto não ensinar valor positivo a mesma. Em se tratando disso o abismo de reconheciemtno ainda é grande e o que se quer que aconteça na escola que é a igualdade para todos ainda de fato não acontece. Isso explicaria a dificuldade de implementar a Lei 10.639, hoje 11.645.
As escolas estão preocupadas em formar indivíduos úteis ao sistema econômico e ainda atuam por meio de uma lógica hierárquica, binária e racista.
Essa lógica binária construída na modernidade demarcava autoafirmação, defesa e interesses da burguesia – grupo que queria tornar seu pensamento hegemônico, ou seja, precisava organizar projetos sociais que atendesse aos seus interesses
Por isso a educação foi formada com objetivo disciplinador e com intuito de formação para o mercado de trabalho. Era uma educação que docilizava os corpos (FOUCAULT, 1111) que criava uma cultura universalista com identidades modelos/disciplinares. A lógica binária criada diante dessa conjuntura estabelecia para cada aspecto considerado normal, superior, branco, eu-bruguês, um aspecto avesso, contrário e fora dos padrões o diferente, inferior, não branco, outro não burguês.
Aqui no Brasil essa lógica binária perpassa dispositivos raciais. E aqui no Brasil por mais que estudos nos alertam para o racismo estrutural ainda há muita gente na escola, e eu diria muitos professor@s que ainda interpretam o racismo como problema dos negros, ou um vacilo moral dos brancos ou desequilíbrio mental, entretanto o comportamento racista em raízes mais profundas, ele é uma ideologia de poder e como tal se apresenta através de estratégias políticas. A atitude racista não é simples descaso moral é tentativa de manutenção de poder, para isso o racismo foi construído por seus pensadores como saber teórico apoiado pela ciência.
o saber racista foi responsável por projetos de civilizações que se baseavam na tal lógica binária branco superior, não brancos inferiores
Precisamos superar tal lógica que até então organizou o que conhecemos como mundo e transita no senso comum escolar. Um exemplo rápido dessa lógica seria o fato de um nome social das pessoas queer causar fresson entre toda comunidade escolar, salvando raros casos de aceitação. Outra questão, há também dificuldade de levantar discussão sobre cultura africana e afro-brasileira sob o risco do professor ser tachado de doutrinador religioso.
O que podemos dizer sobre as, crenças, verdades e saberes que transitam no espaço escolar? São valores hegemônicos, conservadores, fechados, de base eurocêntrica que limitam e restringem a educação em prol da diversidade.
Então como professores antirracistas conscientes doracismo e todas as injustiças geradas por ele precisamos ter a certeza de que um currículo para ser implementado passa pela ação do professor e o qual a intencionalidade provoca
A definição de posicionamento fará total diferença e pode transformar o currículo em instrumento de luta, pois nós professores podemos ser a mudança que queremos ver na educação
Popr isso o pessoal do primo rico conservador tem medo do que estamos ensinando, por pouco nos taxam de doutrinadores, esquerdopátas, ficam mandando nos filmar, abrem porocesso, além de tantos adjetivos par a desarticular nossa atuação em prol da democracia histórica e cultural nas escolas.
Então precisamos estar unidos nessa grande pauta trazida pelas leis 10.639 e 11.645 que é a superação do racismo no ambiente escolar. Diante disso compartilho alguns pontos necessários a nossa reflexão:
Por exemplo: explicar conceito de cultura fora do padrão aceitável é ter cuidado para não passar a ideia de cultura espetacular a exótica, ou superior/inferior, pois cultura está no âmbito da diferença e não da mensuração.
Já nos diziao coleguinha Raimund Willians, trabalhar o conceito de cultura é ter cuidado com a discussão de alta ou baixa cultura. Se ao entrar na sala de aula e o professor acaba concordando com certa inferioridade cultural africana ele mantem estereótipos sobre africanos e negros como inferiores, ou exóticos. Nossa irmã Azoida Loreto da Trindade (1990) já nos dizia que precisamos rever primeiro nossa maneira de enxergar para saber lidar com nossos próprios preconceitos; nessa mesma linha está o colega Gustavo Gomes (2019) ao refletir sobre o que nossas experiências subjetivas diante questões raciais.
Se temos a ideia de que só existe valor positivo no que tal grupo étnico/social definiu como bom e o resto é cultura de massa, sem valor nenhum, flertamos com o conservadorismo “guilhotinista”, você tá do outro do primo rico e nem se deu conta. Entenda, por vez uma coisa, para fazer análise crítica da cultura precisa falar de cultura e para quem não sabe cultura é tudo que se opõe a natureza, é tudo aquilo que o ser humano criou. Agora se você gosta ou não é problema seu. Cultura não é só aquilo que você gosta.
Agora tem uma coisa que eu acho que poucos escapam que é o fenômeno da cultura dita popular que é se interessar pela vida do outro, não é atoa que você e suas/seus alun@s possuem Facebook e Instagram, também gostam de novela e realits shows, porque culturalmente a história do teatro, da visibilidade e exibição era contar o que acontecia na casa dos burgueses para fomentar um estilo de vida burguês e assim continuamos nessa seara até hoje.
Outro ponto que me incomoda muito não é o calendário da consciência negra nas escolas, mas tranformar essa data num espetáculo exótico, e trabalhar de forma transversal. O trabalho de consciência negra deve ser cotidiano e a data não é somente comemorativa é reflexão de luta e visibilidade, muitas vezes trabalhamos as pressas para montagem de murais a serem fotografados e postados no site da escola, mas e a discussão sobre o racismo, silêncio e marginalização que os não brancos sofrem cotidianamente. Mas é uma maneira de calar a luta cotidiana e só falar no dia permitido, é uma estratégia da hegemonia liberar espaço de atuação para não ter conflito e caímos direitinho quando acreditamos estar agindo em prol da lei 10.639/11.645 quando fazemos a semana de consciência negra. Cuidado também com a tal da consciência humana que tem se feito presente em novembro, reflita por que há necessidade de demarcar a pauta da consciência negra em nossa sociedade?
Por ultimo, mas importante, é a problematização da imagem dos negros/não brancos de maneira geral, em livros, novelas, filmes, noticiários etc. Mexer com imagem é mexer com identidade e se tratando de grupos não brancos suas identidades são colocadas numa posição de marginalização, são estereotipadas, e por muitas vezes são motivos de riso e chacota – entendedores entenderam. Vou refrescar a memória: carnaval no Brasil o que acontece com alguns grupos étnicos/sócias têm suas identidades subvertidas em fantasia – fantasia de indígena, negro, mulher. Nessas horas um professor antirracista precisa problematizar tal questão e dizer que identidade não é fantasia, ao ser questionado esse professor deve afirmar: As identidades formadas na luta por direitos de igualdades, são identidades políticas, precisam se posicionar não podem ser motivo de riso e chacota. Porque transformar em piada um jeito de ser no mundo é um desrespeito. Ao serem motivos de riso seu posicionamento não é levado a sério
Devemos levar as/os alunas/alunos a se questionar onde está o lugar da piada/riso em relação a condição da pessoa que é motivo de riso. Precisamos levar a refletir como tal comportamento é cruel.
Mas você fazendo esse belíssimo trabalho de reflexão ainda sim pode ser taxado de esquerdopata, doutrinador, briguento, vejam a imagem que podem fazer do professor que luta por justiça social e a imagem dos grupos inferiorizados na sociedade. Essas imagems são chamadas por Patrícia Hills Collins de imagens de controle. São imagens criadas para controlar, que demonstram o que é e o que não é aceito.
Nesse caso tanto professores quanto os grupos inferiorizados ficam rendidos a uma imagem de desqualificação e estereotipada.
Ensino que imagens de controle servem a quem quer controlar tais corpos para silenciar e desarticular nossas vozes e lutas
Quando crianças não brancas não são possibilitadas a empoderar suas identidade raciais podem acabar performando aquilo que não são, pois não são brancas. São tolidas do direito de se amarem como são crescem com problemas de aceitação e baixa estima, acabam performando o que é aceitável dentro do padrão higienizado, classemediaficado, conservador que não aceita a negritude
Então, quando falamos em racialidade estamos longe de falar em sistema de afetos simplesmente, estamos falando de um sistema político no qual corpos/vidas valem mais e outros que valem menos
Veja a importância de promover a educação antirracistas diante de tal conjuntura/realidade representada pela ambição da branquitude precisamos agir. Não basta não ser racista precisamos ser antirracistas!
Eu sou Lavini Castro Educadora Antirracista
Mestre em Relações Étnico Raciais
Referências
CASTRO. Lavini Beatriz Vieira. Leituras Evangélicas frente ao estudo da Cultura e História do Negro na Educação Brasileira. 2019. 261f. Dissertação (Mestrado em Relações Étnico Raciais) - Programa de Pós-graduação em Relações Étnico Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, Rio de Janeiro, 2019
CERTEAU, Michel. Artes de Fazer a Invenção do cotidiano. Michel Certeau; Tradução Efraim Ferreira Alves – Petrópoles: Editora Vozes, 1998.
CHAUÍ, Marilena. Crítica à ideologia. In: ______. Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro. São Paulo: Autêntica Editora, 2013, p:117-147.
GOMES, Gustavo Manoel da Silva. SABERES E NARRATIVAS DOCENTES: MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO SERTÃO ALAGOANO. Maceió-AL. 2020. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas.
GRAMSCI, Antônio, 1891 – 1937. Cadernos do Cárcere, volume 2. Antonio Gramsci; edição e tradução, Carlos Nelson Coutinho; co-edição, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Stuart Hall; Organização Liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende… let all. – Belo Horizonte: Editora UFMG. Brasileia: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

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